Algo muito nostálgico se acendeu nas minhas memórias, onde eu passava tardes e noites a fio administrando meus parques de diversão em Roller Coaster Tycoon, reajustando preços de brinquedos, montando novos modelos de montanha-russa, criando novas atrações e planejando para que todas as filas passassem por algum quiosque de comida. Lembro que quando o parque começava a ficar sujo, especialmente próximo aos brinquedos radicais, era minha vez de brincar de RH e contratar mais faxineiros e funcionários de manutenção. Só que o que despertou em mim foi um sentimento misto, que envolvia aventureiros explorando masmorras em busca de tesouro, algo que me lembra muito também The Mighty Quest for Epic Loot. Foi esse sentimento que, somado às características, raças, classes e peripécias de personagens de RPG, Naheulbeuk's Dungeon Master conseguiu me passar. Aqui ficam nossos sinceros agradecimentos à Casa 882 e à Dear Villagers por cederem a chave do jogo em antecipado para o desenvolvimento dessa análise.
O jogo consiste em ser um simulador de administração de masmorras, daquelas com lordes sombrios e feiticeiros mesmo. Você assume o papel de Reivax, um meio-goblin que acaba de ser "contratado" como administrador de assuntos internos e externos relativos à masmorra do Lorde Sombrio Zangdar. Você deve gerenciar os lucros e custos que a masmorra gera, enquanto cuida de assuntos relativos a funcionários, invasões de aventureiros, a classificação da masmorra no conselho regional de arquitetura de masmorras e castelos, e até mesmo clientes. Mas espera, clientes?
O sistema principal de renda é uma taverna que funciona dentro da masmorra, possuindo uma entrada alternativa destinada somente a clientes. Afinal, nada mais tenebroso do que o ofício da administração de pessoas, não é mesmo? Apesar disso, existem outra fontes de receita, como as raids que você realiza em castelos e masmorras inimigas, a defesa efetiva da sua masmorra sem baixas, a venda de recursos que algumas de suas unidades produzem, tais como inteligência e ferramentas, dentre algumas outras fontes de renda.
O destaque aqui fica para a complexidade de todas as finanças, de modo que você pode acessar páginas com gráficos detalhados de receitas e despesas, fazendo até mesmo projeções do seu negócio. Como administrador, você também é chefe do RH, e precisa contratar cozinheiros, faxineiros, guardas, espiões, banqueiros, dentre todos os tipos de funções. Cada funcionário tem uma raça específica que influencia no tipo de atividade exercida. Bons exemplos são goblins, que são contratados geralmente como banqueiros e são extremamente mau-humorados; orcs que, caso sejam cozinheiros, têm especialidade em cozinhar carne; elfos que tem especialidade em cozinhar pratos vegetarianos; anões que são excelentes ferreiros; drow-elfs que são espiões e assassinos natos, dentre muitas outras opções.
Acompanhados de seus traços únicos, as unidades contratadas possuem nível, salário, pretensões e necessidades específicas. Você pode contratar um cozinheiro nível 1 que não tem frescura com nada e o salário é, literalmente, ter um teto para dormir, ou acabar contratando cozinheiros mais experientes que cobram um salário mais alto e precisam, por exemplo, de uma sala de recreação para as horas vagas. Caso essas necessidades não sejam atendidas, eles podem organizar greves onde você deve decidir atender suas críticas, ou demitir os funcionários. Mas não se engane, tal qual o nosso mundo corporativo, você precisará desembolsar uma certa quantia de ouro para quitar as obrigações de um funcionário demitido, o que sempre o fará colocar na balança se vale mais a pena atender as solicitações ou recontratar funcionários. Por mais complicado que pareça, haverá momentos em que você começará a contratar funcionários em levas maiores e de forma mais despreocupada, uma vez que a renda se torne estável e crescente.
Há ainda questões internas entre os "chefes" de cada um dos departamentos, onde o chefe do exército e o da taverna, por exemplo, podem querer acertar alguns "acordos comerciais" por fora dos livros. Além disso, você precisará se preocupar também com administração da compra e venda de insumos usados na taverna e nos seus outros centros de produção, o que te obrigará a ter, no gabinete de Reivax, uma mesa reservada para melhores de comércio exterior, dentre outras questões relativas ao negócio. No entanto, o que parece super complexo se torna bem simples, de forma que é somente um totem de upgrade que você compra periodicamente quando algo novo é liberado.
A construção, por si só, é muito semelhante a outros jogos de administração que já conhecemos. Você delimita a àrea dos cômodos específicos (dormitórios, banheiros, cozinha, oficina, etc), adiciona entradas e saídas, adiciona os móveis desejados e executa a ação de construção, deduzindo o custo total do seu montante de dinheiro. Inicialmente você tem acesso somente ao piso térreo, que possui já algumas delimitações de colunas e áreas inacessíveis. Conforme você constrói novos cômodos e avança no rank da masmorra, outros andares são desbloqueados, totalizando 7 andares. Cada um deles precisa ser conectado aos inferiores por meio de escadas, e cada um deles segue um novo layout. Assim, você precisará planejar muito bem onde as escadas poderão ser alocadas, de forma que conectem cada andar, evitando percursos muito longos e desgastantes para suas unidades. Inicialmente pode parecer muito desafiador, mas fica claro que rearranjar e aumentar cômodos, ou mesmo tranferí-los de lugar é muito simples e barato. Dessa forma, não é necessário que você tenha medo de fazer algo errado, pois a adaptação e a realocação de recursos faz parte do jogo. A única dica que dou aqui é: seja generoso com espaço. Faça cômodos bem grandes, pois em pouco tempo você terá muito espaço sobrando dos novos andares, e muitos cômodos para adaptar, precisando de mais sanitários, chuveiros, camas, mesas, dentre outros fatores. A taverna, em especial, começa a ficar com fila de clientes caso você não faça uma expansão em tempo, e isso se torna um obstáculo no enriquecimento.
Quando falamos da construção, também é importante lembrar sobre a defesa do castelo. Já foi citado que é possível fazer raids em outras áreas e masmorras inimigas para arrecadar tesouro e prestígio, porém sua própria masmorra deve estar bem equipada e pronta para receber ataques de qualquer lado possível. Normalmente as raids inimigas acontecem com um grupo de aventureiros entrando no castelo por alguma das entradas, em busca do seu tesouro. Sendo assim, é importante que você invista em salas com armários de guardas e em salas de arsenal para aumentar sua defesa. Treinar seus guardas também é importante para que avancem de nível e tenham mais chances nas batalhas. E não menos importante, armadilhas são obrigatórias! Especialmente os alarmes sonoros. Cada andar tem, geralmente, mais de um ponto de acesso externo, e as invasões podem acontecer por qualquer um deles, mesmo em andares mais altos (o que me faz pensar que além de guerreiros, esses aventureiros também desbloquearam habilidades únicas de alpinistas). Sendo assim, é importante ter vários alarmes sonoros para que a invasão seja identificada com mais precisão e suas tropas possam agir prontamente.
Outra questão importante nas construções e salas é o prestígio: quanto mais móveis, utilitários e decorações uma sala tem, maior se torna o nível de prestígio daquela sala, e mais upgrades se tornam disponíveis na loja. Isso funciona de forma bem simples, de modo que cada elemento posicionado na sala aumenta o prestígio, mas também pode acabar com o jogador colocando 20 estátuas na mesma sala para aproveitamento de espaço. Use sua criatividade, afinal de nada serve criar uma grande masmorra com somente 20% dos elementos do catálogo. Alguns móveis concedem atividades e bônus únicos para suas unidades, então vale a pena variar. Esses upgrades podem também ser desbloqueados via raids e prestígio do castelo em si.
Parece bem complicado, não é? E realmente é, porém o jogo usa de artifícios de história e narrativa de forma a simplificar bastante seus objetivos de forma pontual. O modo campanha não te joga no mercado desamparado, sempre há alguma partícula de história que vai te indicar o que fazer: contrate 2 faxineiros; construa uma sala de treinamento; aumente a decoração da masmorra para subir seu rank no conselho de arquitetura. Existe, no entanto, uma regra suprema: não irrite seu mestre! Como um bom administrador, você deve evitar que o contador de paciência do seu mestre se esgote, ou se não é game-over! E isso pode ser bastante desafiador às vezes, pois seu "chefe" é bem maluco, ao ponto de ordenar raids onde sua derrota é certa e exigir melhorias completamente desnecessárias no local. No entando, isso adiciona uma nova camada de tempero e desafio no jogo, de forma a deixá-lo cômico e divertido sempre.
Existe também um modo livre no jogo chamado "Sandbox mode", que funciona praticamente da mesma forma, só que sem o guia de ações e objetivos que a campanha principal te dá, onde você deve administrar a masmorra por conta própria e tentar mantê-la durante o maior tempo possível até liberar seu último andar, ou ir à falência de forma colossal. É quase como se o modo campanha fosse um grande tutorial, ainda que muito ao estilo dos clássicos jogos de gerenciamento onde objetivos eram definidos de forma mais direta e prática, e esse modo fosse onde os desafios malucos que o jogador tiver na cabeça possam ser executados. Há ainda a possibilidade de definir quantidade inicial de ouro, frequência de raids inimigas, dificuldade de alguns desafios relacionados ao mestre, dentre outras questões. Sendo assim, esse modo somente é indicado para quem já jogou a campanha e já conhece todas as mecânicas do jogo. Além disso, vale ressaltar que o inglês utilizado é bem avançado, mas a localização em PT-BR está a caminho, o que pode facilitar bastante a vida de novos jogadores.
Pros:
- Sistema muito diversificado de despesas e receitas.
- Inclusão de raças de RPG com diferenças práticas nas atividades exercidas.
- História bastante engraçada e que serve como guia na gameplay.
- Liberdade à criatividade do jogador para montagem dos cômodos.
Cons:
- Página geral de finanças e projeções poderia ter alguns modos de simplificação, pois é um pouco confusa.
- Excesso de funções pode tornar o jogo um pouco massante para novos jogadores do gênero.
- Sistema de posicionamento de paredes um pouquinho confuso sobre a razão de determinadas áreas não poderem ser construídas.
- Sistema de prestígio das salas poderia ter indicativos mais claros em cada decoração, de modo a evitar salas lotadas com a mesma estátua com a única função de subir o prestígio rapidamente.
No geral, Naheulbeuk's Dungeon Master é um jogo que traz muita nostalgia aos fãs do gênero, ao mesmo tempo que oferece um desafio bem complicado a ser superado. No entando, ele oferece facilidades e opções de edição que sustentam a qualidade de vida do game, tornando a experiência divertida e prazerosa. Não vá esperando um jogo fácil, mas será muito fácil perder horas a fio e se encontrar acordado às 5 da manhã do dia seguinte construindo uma nova área de convivência de tropas para que seus funcionários não entrem em greve ou em depressão. Ele pode se beneficiar de algumas simplificações no menu geral de finanças para ajudar as pessoas com menos aptidão para a área, mas no geral é um jogo que funciona e cumpre o que se propõe. Eu mesmo me diverti bastante e sigo jogando, cumprindo os caprichos do mestre Zangdar. O jogo já está disponível para PC via Steam e Epic Games. Recomendado a todos que queiram um desafio repleto de piadinhas de RPG.